sexta-feira, agosto 24, 2018

estrela

Existiu um dia uma estrela
Uma bonita e brilhante estrela
E um dia o universo a dividiu em duas, separando a energia dela
e cada metade virou pó de estrela
Uma delas virou uma moça de origem simples, de família humilde, de jeito prático e mãos hábeis
A outra metade virou um rapaz inteligente, com dom de comunicar, de entender e de repassar conhecimento
Mas era engraçado como essa energia que habitava ambos funcionava
Uma parte se sentia sozinha carente da outra
E outra parte não funcionava com clareza
Porque o que era certo de estar junto, só haveria de funcionar junto
Então um dia as duas metades da energia da estrela se encontraram
E foi como se nunca tivessem de se separar
Tudo foi reconsiderado
A escuta da fala, a visão do sorriso, o cheiro de cada um, o sabor dos beijos
A estrela virou uma só de novo
Dentro do peito de cada um


quinta-feira, agosto 09, 2018

Política, sexo e batizado.

Quadra lotada, discurso inflamado correndo solto no microfone, bandeiras e gente emocionada por todo lado. Eu jovem suada procurando pela baixa arquibancada da quadra um espacinho para sentar e acompanhar os discursos que se seguiriam naquela noite de reunião partidária. Aí vi o Carlos me acenando e num sorriso rápido me sentei ao seu lado.
Carlos era filho de companheiros de partido que eu tinha muita estima, como se fossem meus avós. Havia sempre aquele instinto de protegê-los por conta da idade avançada, de carinho e de admiração acima de tudo. Mas neste dia eles não foram, Carlos estava sozinho. E estava sorridente. Entre um discurso e outro, trocávamos comentários sobre o evento.

Toda hora que eu encarava Carlos, me lembrava de um episodio em que o pai dele me disse "eu gostaria muito que o Carlos tivesse arranjado uma menina igual você. Porque você se encaixa nesta família como uma luva!". Isso nunca saiu da minha cabeça porque até então, eu via o Carlos como mais um companheiro de partido que compartilhava comigo de várias opiniões e visões sobre a conjuntura política do país, mas depois desse dia mudou tudo. E eu percebi que pra ele eu nunca fora só uma companheira de partido.
Carlos ficava nervoso e sorridente demais ao meu lado. Em outras ocasiões, queria impressionar, e era até engraçado perceber isso. Era tudo muito sutil, já fazia um ano que eu havia me aproximado dele e de seus pais e só percebi depois do comentário recente de seu pai sobre a preferência por mim.
Passei a notá-lo reparando nas covinhas, no jeito de empurrar os óculos em cima do nariz, no jeito de gaguejar meio fofo durante as reuniões quando eventualmente fazia algum comentário.
Mas eu vinha numa fase da vida íntima onde expectativas não foram atendidas, então ainda estava tudo meio paralisado.
Neste dia de discurso na quadra, eu voltei no carro de Carlos. Ambos estávamos animados pela enxurrada de coisas boas que ouvimos nos discursos, e quando estávamos perto da minha casa eu senti vontade de ficar mais tempo com ele e continuar conversando até se esgotar. E acabei revelando isso. E ele ficou sério, já na porta de casa e não dava para imaginar o que se passava na cabeça dele.
Então eu dei um beijo bem lento na bochecha e saí do carro.
Bom, eu não poderia ser mais clara que isso.
Aí a conversa ainda se estendeu pelas redes sociais até de madrugada, com direito a cantadas da parte dele mas nada que fosse conclusivo. Eu gostava disso, do flerte.
Dias depois enquanto saía do trabalho, percebo um carro me seguindo devagar. Era ele.
Entrei e achei que iriamos conversar como sempre, mas quando olhei para Carlos, percebi uma coisa que eu não via em um homem ha muito tempo: era desejo. Deixava ele tremulo, recuando nos movimentos que queria fazer com precisão, dirigia quieto, e eu ouvia sua respiração.
Puxei um pouco de conversa que ajudou a confirmar aquilo tudo, estávamos pegando fogo.
Liguei o rádio e antes que pudesse perceber, já estava na casa dele, no quarto dele, sendo engolfada pela sua boca que me procurava sedenta, inebriada pela respiração forte dele que sorvia meu cheiro, usava mãos como ferramenta de arrebatar, de saciar, e usava todo o corpo de movimentos repetitivos e profundos que ora me calavam, ora me soltavam sons altos desconexos e colados um ao outro, tivemos o orgasmo mais cultivado e imaginado das últimas semanas, tamanha intensidade.
Eu me senti fêmea fatal que esbanjava prazer quando depois do sexo, percebi suas mãos passeando em mim. E seus olhos focados em cada curva dos meus seios, coxas e boca. Transamos a noite toda, de todas as formas possíveis.
Carlos pegou no sono e eu não consegui. Fiquei projetando várias coisas na mente, uma delas muito clara era um batizado com os pais de Carlos, nós dois e um bebê.
Me levantei e fui embora.
Nunca mais fui a nenhuma reunião política, nem na casa dos pais de Carlos, muito menos procurei me encontrar. 
Eu era uma gata de rua, eu gostava de sexo e só. E Carlos não, ele era um gato de raça que você paga caro para ter, tem que cuidar bem e exibir para as pessoas.
Hoje eu vi numa rede social: Carlos, seus pais e uma moça segurando uma menina recém nascida num batizado.


La dama de la Alhambra - Ramon Manrique - 1996




*Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência*