quarta-feira, fevereiro 24, 2016

“coisas-que-você-precisa-saber” sobre o Metrô

Primeiramente, o post a seguir não tratará apenas do metrô, mas também do trem, Mafersa, Alstom, CPTM, ViaQuatro, Fepasa ou qualquer outro sinônimo que você conheça da “minhoca de metal que corta as ruas”.

É o seguinte: sabe aquilo que faz parte da sua rotina, que acaba com você, te cansa, você detesta e se pudesse nunca mais veria de novo, mas mesmo assim, sabe que isso é impossível porque tudo o que é bom é relacionado a isso e no fim você não tem nenhuma chance de eliminá-lo? O metrô é assim, principalmente em São Paulo. Se tornou a cara da cidade, já que você consegue ir para qualquer canto apenas com uma passagem de 3,00 reais. Só que tem coisas que você precisa saber.

· Fuja para as colinas se por acaso tiver que entrar numa estação de metrô próximo a alguma instituição de ensino superior. É aterrador se sentir em um enlatado com um bando de estudantes cheios de livros e uniforme do curso de Educação Física encharcado de suor. Fuja, é sério.

· Horário de pico é balela para algumas estações. Sé, Barra Funda, Luz, Brás e principalmente Pinheiros, não existe essa história de horário de pico. Todo horário é de pico para estas estações. É comum ouvir algumas recomendações de gente mais velha antes de começar a enfrentar os trens e metrôs, como a famosa “evite a Sé as 6 da tarde”, no caso, o correto seria adaptar para “evite a Sé”, somente.

· Quanto mais antiga a linha, mais tempo no trem. Existem linhas pré-históricas por aí. Em São Paulo, as linhas 7, 8 e 9 da CPTM surgiram em tempos muito remotos e mesmo com os novos trens (aqueles trens sem divisões, que liga um vagão ao outro com sanfonas), não conseguem resolver este problema da lentidão devido ao desgaste da linha. Na verdade, a linha 7 é um caso perdido em São Paulo. É, sem sombra de dúvidas, a pior linha de toda a malha ferroviária, e talvez por isso os trens mais antigos circule nela, ou o contrário. A linha 7 também é a única linha cuja a voz que anuncia as estações não foi padronizada. Há cerca de 5 anos, todos os trens e metrôs passaram por uma padronização cuja a voz que anuncia as estações é senão a mesma, muito parecida com a voz da mulher do Avast. EXCEPTO a linha 7, Rubi da CPTM que continua com a voz de vendedor de churros em todas as estações, chamando a atenção vezes ou outra de quem segura a porta ou quem senta no meio do vagão.

· Primeiros trens do dia são lendários. Isso vale para território nacional, isso é regra básica de convivência no trem ou metrô. Se você entrar no primeiro metrô do dia, você verá gente vomitada, bebâda, chapada, cambaleando, ensanguentada, sem sapatos, com roupas rasgadas, tatuagem nos olhos, portando armas de fogo, quase nú, pedindo dinheiro, encharcado de cerveja, todo e qualquer tipo de gente insana voltando da noite. Em São Paulo, a maior parte é facilmente encontrada na Linha Amarela, que vem da Av. Paulista. Observe sempre ao sentar num banco, ele pode estar vomitado.

· Mendigos! Toda estação, repito, TODA ESTAÇÃO, tem mendigos. Seja Sumaré ou Praia Pequena, sempre haverá mendigos querendo te filar.

· Comércio de muambas em geral é a coisa mais legal do mundo dentro de um metrô ou trem, sendo mais fácil encontrar nos trens. Você pode comprar qualquer coisa no metrô, canetas, chaveiros, amendoins, calcinha, sutiã, bloco mágico, bonecas, cópias de dvds não autorizadas (todos os gêneros), dentaduras, roupas, bolsas, juízo, comida congelada, fogão, computador, torradeira, ferro de passar, camisinha, sapatos. E tudo por preço de banana. Só que nem é preciso falar que isso só acontece em trens vazios, ou seja, o comércio de muambas anda meio em falta em algumas linhas.

· Tenha educação. Isso é realmente difícil para quem embarca na linha vermelha do metrô sentido Corinthians – Itaquera, mas faça o maior esforço possível para não encoxar alguém, tire a mochila das costas, não espirre ou tussa na cabeça de alguém, use desodorante, evite falar alto, não ouça músicas sem seu fone de ouvido, não fique com as axilas na cabeça de ninguém ou o pênis no ombro de alguém.



O metrô agradece e lhe deseja uma ótima viagem.

sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Sísifo do séc. XXI

Diariamente, eu me sinto como Sísifo. Condenado a repetir o mesmo ato todos os dias, e vendo a inutilidade daquele ato, que a mim não diz nada. Quantos de nós nos vemos presos a rotinas inúteis, escravos de nossas funções administrativas para resolver problemas que nós, humanos, criamos? E não venha com aquele papo de revista de que o problema é individual, de que eu não achei o que eu gosto de fazer ainda, isso é balela. O problema não é só o operacional, o problema é: que sentido isso tudo tem para você?

Você que é analista de sistemas, você que é gerente de um banco, você que é assistente qualquer coisa, você que é despachante, você médico que “salva vidas” dentro de um hospital cheio de burocracia para atender (maioria dos casos), você acha que seu trabalho faz diferença para as pessoas, de fato? Ou você só resolve burocracias inúteis? Ficamos refém de sistemas, protocolos, que a cada clique, diminui nossa vida e nossa paciência. Eu não costumo acreditar em teoria da conspiração, mas se alguém me falasse que toda essa burocracia e esses cargos ridículos que ocupamos são justamente para preencher nossa mente com um monte de (des)informação e não perturbar o andamento do sistema, eu acreditaria e ponto. E enfim, chegamos ao sistema. Este sistema sacana! Te faz crer que é importante, que o que você faz não é uma merda, porque o dinheiro que você ganha compra seu carro, aquela roupa, aquela viagem. Coisas que você precisa por causa do próprio sistema! Assim como o dinheiro, já te passou pela cabeça alguma vez não precisar do dinheiro, viver sem ter que consumir, no sentido mais atual da palavra? Se você respondeu não, eu não te culpo, porque é assim que somos doutrinados a pensar, toda hora bombardeados pela TV e propagandas, que para suprir a insatisfação de ter um trabalho de merda, tecnicista e burocrático, você precisa ter coisas que deseja e que o auto afirme como bem sucedido. Eu não precisaria de um carro para ir à praia se ir à praia de ônibus não fosse uma droga! Eu não preciso do sistema e não quero fazer parte deste ciclo. Mas o próprio sistema se incumbe de nos mostrar (ou não) o que acontece com aquele que não quer fazer parte do ciclo trabalhar-consumir-trabalhar, e você passa por essa pessoa liberta, sem dogmas e sem a pressão da sociedade todos os dias, e o ignora, como manda o protocolo social: os mendigos. Pela lógica capitalista, eles não deram certo e servem muito bem de exemplo para quem não quer se doutrinar. São os Sísifos que não conseguiram enganar Perséfone. São os Sísifos que se arrependem todo dia, porque não há um só morador de rua que não queira ter nossa vida sistemática. E aí, no meio de toda essa inutilidade em que somos engolfados diariamente, somos ludibriados com a ideia de felicidade. O que é essa tal de felicidade que nos vendem, afinal? Assim como o amor, ela é subjetiva, individual e única. Não tem essa de felicidade de propaganda de margarina, quem garante que serei feliz naquele modelo marido-esposa-filhos? Somente cada indivíduo sabe sobre sua própria felicidade, mas a verdade que talvez todos os seres humanos sentem em seu coração e alguns são resistentes em assumir, é que a felicidade nunca é plena, ela é efêmera e fugaz, como Sísifo sentia no espaço de tempo entre deixar a peça de mármore no alto do cume e logo depois vê-la rolar para baixo.

quinta-feira, fevereiro 18, 2016

Serendipity

Eu fico pensando nessa vida descolada que você leva e que em nenhum momento eu vejo você deixar a bola cair. Acho isso tão forte, me identifico de uma forma que não sei explicar. E quanto mais penso, mais vontade de saber a respeito enche minha cabeça de ideias, e eu viajo nas histórias que crio inspiradas em você. Imagino você vivendo em todas as instâncias possíveis, mas sempre com a mesma cara, trejeitos, sorrisos e ah como eu adoro imaginar isso. O melhor que você me proporciona é isso, me deixar criar histórias com você sendo protagonista delas todas. E sua idade também age como um fator propulsor da minha vontade de criar histórias, porque eu fico pensando que alguém com essa idade pode já ter feito de tudo e ainda continuar jovem como é. Você sabe, o tempo passa para todos, mas só envelhece quem quer.  
Se você fosse um jornalista, eu garanto que teria as melhores reportagens, porque a forma como você descreve o que quer que seja é impossível de não se atentar, e ainda melhora se o alvo da descrição for algo da qual você goste. 
Se você fosse um professor de Ed. Fisica, fumante como é, seria o mais debochado de todos, e se fosse um professor de literatura, eu iria querer que suas aulas nunca acabassem porque provavelmente eu ficaria descendo a corredeira macia que é a sua voz até que cessassem os movimentos deste rio. 
Se você fosse um porteiro, seria sempre gentil, daqueles que nunca aborrecem e que não se cansa de saber como está. 
Se fosse um chefe, seria daqueles que faço questão de trabalhar, e daríamos risada um para o outro até diante do mais denso problema a ser resolvido. 
E mesmo não sendo nada disso, e sendo apenas você mesmo, profundo e interessante como o oceano índico, eu não gostaria que fosse mais ninguém.

A hora do recreio

Eu era estranha, estranha demais pra querer fazer amizade com alguém. Não sabia lidar com aquela liberdade das faculdades, "saia quando quiser, assista a aula que quiser, o mérito e o prejuízo será todo seu".

Estava sentada num banco no jardim de inverno da faculdade porque me recusava a ver aula de Estatística. Estatística pra quem? Aquilo fazia minha cabeça rodar, e todos os outros vinham puxar assunto sobre a matéria com a fórmula dos cálculos na ponta da língua, me fazendo ficar enjoada.
Então resolvi sair e fumar, a próxima aula talvez fosse menos ruim, e eu não precisava dar satisfações a ninguém sobre assistir ou não uma aula.
Abri a bolsa e deixei aberta, estava cheia de bombons, outra coisa que não sei lidar. Estava meio escuro e lá só havia uma luz, um amplo espaço cheio de arvores e bancos, com um apenas uma luminária. Eu gostava daquilo.

Então ele veio, com uma camiseta verde horrorosa e um all star preto surradíssimo. Pediu isqueiro, aí deu uma disfarçada e pediu cigarro. Sabia que ele não tinha cigarro. Educadamente agradeceu quando o dei e sentou-se num banco próximo. De repente perguntou o que eu estava achando da faculdade. Tínhamos começado as aulas a 2 semanas e eu ainda não falava com ninguém. Respondi que estava meio frustrada, mas que tinha fé que melhoraria. Não dá pra fazer uma avaliação de verdade com duas semanas de aula.
Ele concordou. E me sorriu. E quando vi aquela linha branca, reta, perfeita, com os caninos levemente saltados que eram os seus dentes, eu sabia que era aquilo que gostaria de ver para o resto da minha vida. Ficamos conversando sobre possibilidades de estágio e amenidades da faculdade e fumando um cigarro mentolado atrás do outro.
Eu tinha o hábito de apagar as bitucas na parte de cima do encosto dos bancos, fazendo marcas retilíneas uma em seguida da outra. Logo ele estava fazendo isso também e havia 20 marcas dessa no banco. Acabamos falando sobre nossas vidas, tínhamos recém saído da adolescência, mas agíamos como se tivéssemos 16 anos, comendo bombons sem parar. Falou sobre seu falecido pai, falou sobre fazer intercambio na Irlanda, falou sobre seu time do coração e eu torci um pouco o nariz, era o que justificava a camiseta verde horrorosa. Falou sobre Janaína, uma aluna do ultimo ano que ele conheceu no trote e que estavam ficando. Falou surpreso "Ela calça 32! É um elfo!" e rimos. Só depois é que eu entenderia tudo isso.

Fomos comprar mais cigarros, entrei no bar e o deixei esperando na porta. Fui cutucada por um rapaz bêbado que dizia que tinha levado um fora meu e eu nem lembrava. Fiquei com medo, o rapaz começou a incomodar e eu olhava pra fora pra ver quem me esperava tentando fazer algum sinal que ele entendesse que eu estava com problemas, dentro de um bar cheio de homens bebados, com um bêbado me aporrinhando. Quase chorei de raiva. até que ele entrou, com toda aquela imponência, másculo, e tão menino, com as bochechas rosadas, e se dirigiu ao bêbado "algum problema amigo?", o bêbado respondeu que não e saiu, como um cachorro sai quando o molhamos com a mangueira.

Rimos muito disso depois, fumamos muitos cigarros ainda, e eu de vestido branco em pleno outono, morrendo de frio até ir embora com um moletom verde que ele me emprestou, impregnado com seu cheiro que eu, algum tempo depois, me entorpecia.




***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***