quarta-feira, janeiro 16, 2013

não-abraço

Eu fui criada numa família predominantemente masculina, e as figuras femininas que eu tenho como referência são apenas minha avó e minha mãe. Não estou inventando uma desculpa pra minha falta de tato e rudeza com as coisas. Mas era muito mais fácil aceitar a zoação a sair chorando quando se convive a infância inteira em campinhos desgramados correndo atrás de pipas ou bolas com um bando de moleques.
Então, de tanto conviver com meninos, eu fiquei muito parecida com eles. Não fisicamente. Mas psicologicamente, eu sou idêntica. Meu vocabulário é diferente das mulheres da minha idade, bem como uma série de pontos de vista.
Aí eu me lembrei hoje de um momento que aconteceu quando eu ainda o tinha comigo. Ele me ofereceu um abraço, estendeu seus braços de uma forma engraçada, eu tinha chorado minutos antes. Eu me lembro da sua expressão, preocupado comigo como eu nunca mais vou tornar a ver. Eu sorri de um jeito sarcástico e lhe dei um soco no braço, chamei ele carinhosamente de filho da puta. Não nos abraçamos. E hoje eu vou dormir todo dia pensando na porra do abraço que eu perdi.


***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***

terça-feira, janeiro 01, 2013

Janeiro

Palavras são erros, erros nossos. 
Eu nunca vou me esquecer daquele dia que percebi você pela primeira vez. Eu olhei pra você sorrindo com uma fileira de dentes muito alvos e perfeitos, eu queria tanto que aquele sorriso fosse pra mim. Suas bochechas cobertas de espinhas, suas mãos finas e grandes. Eu te amo tanto, que as vezes chego a pensar se amor não seria apenas dor. 
Eu te amo ao ponto de achar que o amor não existe. Não é possível existir amor! Eu sofro todo dia, a cada pensamento sobre você que eu tenho. Quando estou num lugar que não sei se você já foi, quando faço alguma coisa nova que imagino que você nunca fez. Eu te avisei que seria assim pra sempre. 
Vamos nos casar, vamos sim. Você com ela aí, vai ter filhos com ela, vai ser muito feliz. E eu também. 
Nossa vida vai passar como um solo de guitarra, gostoso de ouvir, forte. 
Eu vou lembrar de você nos sons, como o arranhar de um isqueiro. Vou te lembrar nos aromas, cigarro mentolado, cerveja choca, jurupinga. Vou lembrar nos lugares, meus olhos vão marejar. Vou lembrar todas as vezes que sentir frio. Eu me lembro todos os dias. 
Vou comparar todos os caras com você. Por muitos anos eu vou ver supostos 'você' na rua, minhas pernas vão tremer, eu vou amolecer, e quando o desconhecido se virar, não será você. E eu vou me imaginar gritando a plenos pulmões a nossa música. Chorando. Correndo. Te dando um soco na cara. 
Eu vou aprender, é claro. Ninguém é tão persistente assim. Mas vamos nos ver velhos. Muito velhos. Talvez num hospital, perto de ir embora, talvez num cemitério, talvez numa feira, ou na rua. Aí você vai sentir tudo o que eu senti. Vai entender tudo o que eu passei, quantas vezes me enfrentei por sua causa. E então não precisaremos nunca mais nos encontrar. Amar você já foi suficiente. 



***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***