quinta-feira, junho 23, 2016

FACILITE O TROCO OU ENTÃO LEVA BALAS

– Deu R$ 5,20 senhor.
– Toma aqui uma nota de 10.
– Tem 20 centavos?
– N…n…não…
– Cara, é melhor que tenha…
– NÃO POR FAVOR CARA EU TENHO FAMÍLIA
– DÁ LOGO A PORRA DOS 20 CENTAVO
– EU NÃO TENHO
– AH ENTÃO VAI LEVAR BALA
– NÃO CARA POR F… (sons de tiros)
– …
– Da próxima vez, facilite o troco.



terça-feira, junho 14, 2016

Monólogo intimista sobre o capitalismo

Eu sentia uma raiva inexplicável desde os 11 anos, e nada neste mundo foi suficiente para suprimi-la ou consolá-la.

Não entendia porque algumas pessoas podiam ter coisas, comprar coisas que eu não podia ter. Quando criança, achava que a culpa era de meus pais que tinham dinheiro e não queriam comprar. Até que fiz aniversário uma vez, 12 anos acho, e pedi um Nike a minha mãe. E só então depois de ver o esforço que ela teve que fazer para me presentear com um tênis de 300 reais, é que notei que havia algo errado. Não era minha mãe. Não era o tênis. Não era o trabalho desvalorizado da minha mãe como professora, que pagava ralo demais.

Era que eu tinha que ter o tênis, e porque queria era complicado demais explicar. Toda aquela baboseira que muitos já sabem sobre se vestir com roupas de marca para mostrar que você é alguém, todo o blablabla da adolescência.

Mas não bastava desconstruir isso. Eu podia ter me tornado um adolescente de 17 anos que usava um tênis barato e popular e não dava a mínima para marcas. Mas esse lance todo de marcas foi só a ponta do iceberg.
Tinha amigos na mesma situação. Então percebi, 90% das pessoas que eu conhecia eram pobre. Não tinham como esbanjar dinheiro comprando um tênis da moda sem desfalcar dinheiro de algum lugar.

E a raiva continuava, como um animal rugindo dentro de mim.
Então, aos 17 entrei no primeiro emprego. E a ficha da realidade caiu como um elevador solto no fosso.

Então pra eu ter um tênis e ser socialmente aceito, devia passar horas sentado a frente de um computador realizando ligações e causando incomodo as outras pessoas... aquele emprego era errado por diversos motivos. Mas mesmo que eu listasse porque aquele emprego era tão ruim, a questão não era o emprego. A questão era porque trabalhamos e porque tínhamos que trabalhar, porque devíamos nos preocupar tanto em ganhar dinheiro e querer ter dinheiro, sabendo que nem se trabalhássemos a vida toda, não teríamos 1% do dinheiro que 1% da população tinha, e que havia uma grande quantidade de pessoas no mundo que jamais teriam nem ao menos as mesmas oportunidades que eu tinha pra ter a minha miséria.

Eu não podia ser grato a tudo isso. Não queria me conformar com a miséria, nem com a venda do meu tempo, disposição e juventude em troca de dinheiro. Eu queria trocar meu tempo por algo que fizesse sentido.

E seguia com raiva inflamada no peito. Berrando, vibrando e me avisando que um dia escaparia para fora de mim.

Diante de tanta revolta crescendo como um cogumelo na chuva, alguns outros pontos foram sendo esclarecidos, até virar um problema claro, óbvio e constante no meu vocabulário: o capitalismo.

Eu sempre me lembrava do Nike com certo peso na consciência, porque fiz minha mãe comprar um Nike na adolescência só para mostrar que tinha um tênis de marca. Ficava, naquela época, a manhã inteira assistindo TV, desenhos animados e seriados mostrando a vida estereotipada dos norte-americanos, seus Nikes, seus celulares, seus carros. Eu fui enganado a adolescência inteira. Fui seduzido para ser como eram aquelas pessoas, imaginando que se fosse como elas, os problemas que eu sentia passariam. A raiva que rugia, não existiria, porque aquelas pessoas não tinham a aparência de ter raiva dentro de si. Mas foi só ganhar o Nike pra perceber que era tudo mentira, depois do tênis eu ainda me sentia pior. Mais pobre, com aquelas pessoas norte americanas ainda mais distantes de mim, porque para mim, ganhar um Nike era um evento, para elas era comum.

Isso foi amadurecendo de uma tal forma durante o período do meu primeiro emprego, que comecei a idealizar uma vida sem dinheiro. Mas quanto mais idealizava, mais achava impossível conseguir, não com a TV, rádio e outdoors bombardeando o tempo todo de que você precisa de coisas que você não precisa e ter o corpo predeterminado por marcas, empresas e grupos de pessoas que não sabem nada sobre você e te tratam como número. E mesmo que com o tempo você se torne imune a propaganda, as pessoas ao seu redor não, e cobram de você a vida que o capital quer que você tenha.

Aos 20 anos fui vencido. Estava cursando uma faculdade cujo objetivo era formar pessoas para o mercado de trabalho, e claramente eram censurados os ensinos que se desviassem desse foco para algo mais culto e acadêmico. Eu estava lá, fazendo parte desta palhaçada, trabalhando e tendo medo de perder meu emprego, tendo medo de ficar sem dinheiro. As coisas que possuía, acabaram me possuindo. O desejo de tê-las também. A cobrança da família e do capital latejavam em minha mente. Me envolvi com movimentos sociais na esperança de amenizar a sensação de fracasso, e acredito que muitas das pessoas que conheci lá também tinha isso em mente. Mas, a burocratização de como esse tipo de coisa se dá hoje em meu espaço, não por acaso, era desmotivador.

Depois dessa experiência detestável e frustrante, onde muito se quer fazer, mas nada é feito de fato, a raiva, aquela que ficava rugindo e vibrando dentro de mim, alastrou.

As pessoas criam esperança onde menos parece provável. Em algum deus, por exemplo. Algo sobrenatural para salvar-lhes dos problemas que elas tem. Criam teorias baseadas em relíquias históricas, levam a sério algo porque alguém antes dela levou a sério e usam disso para justificar todos os atos que o capitalismo lhes obriga a fazer. Inventam, mentem e manipulam sem dó, porque todo mundo quer o perdão por ver tanta coisa absurda sendo feita e não estarem fazendo nada. Não é normal que 1% da população seja rica e possam ter seus Nikes enquanto o resto se mata para ter um, mas o capitalismo faz você achar que sim. E a religião justifica isso, ou perdoa. Mas todos sabemos que é tudo mentira, no interior de nossos corações. As religiões são uma mentira.

Em outros casos, há a alienação. Teóricos muito inteligentes já explicaram sobre isso muito antes de minha mãe me dar a luz. Mas a questão não é tanto a alienação de fato, porque acreditar que ainda hoje no séc. XXI há pessoas que não conseguem ver o que está acontecendo, que estamos nos matando por dinheiro, é impossível. Todos sabemos o que está havendo, sabemos que há algo que não deu certo, e que não devíamos nos conformar. Mas nos conformamos. E pior, deixamos que todos acreditem que nós não estamos vendo. Que nosso único interesse é o pão e circo. Pior que mentir para os outros, é mentir para si. E quando fingimos que não vemos as mazelas do capitalismo, estamos mentindo para nossa própria existência.

E mais recentemente, é fácil observar o que eu acho que é o pior caso de todos, que é quando, a balança dos sentimentos ruins fica mais pesada que a balança dos sentimentos bons, na relação entre as pessoas. O pior dos casos, é quando o indivíduo concorda com o estupro mental e financeiro do capitalismo. Quando apoia e se afirma militante ativo das causas capitalistas. Talvez já calejados de sentir a raiva batendo quando o consumismo vence, quando o desejo pelas coisas se torna superior do que a compaixão e o caráter.

Você não é o que você tem, você não é as coisas que compra. Falta entender que tudo no capitalismo é efêmero, o tempo é a única coisa que possibilita alguma riqueza. Cabe saber do que vale a pena ser rico.





Eu sou a constante especulação de Jack.

segunda-feira, junho 13, 2016

Esperando pt. 1

EXT. PONTO DE ONIBUS CHEIO DE UMA AVENIDA MOVIMENTADA, FIM DE TARDE


Dois homens de roupa social esperam seus respectivos ônibus em pé, sem se olharem e ambos olhando para a rua, no sentido de onde vem os ônibus.

HOMEM 1

Sabe, queria fazer algo significativo, que desse sentido a minha vida. Um emprego que mudasse a vida das pessoas, que fosse de fato importante!

HOMEM 2

E o que você está esperando?

HOMEM 1

O ônibus, e você?

HOMEM 2

Também...