Diariamente, eu me sinto como Sísifo. Condenado a repetir o
mesmo ato todos os dias, e vendo a inutilidade daquele ato, que a mim não diz
nada. Quantos de nós nos vemos presos a rotinas inúteis, escravos de nossas
funções administrativas para resolver problemas que nós, humanos, criamos? E
não venha com aquele papo de revista de que o problema é individual, de que eu
não achei o que eu gosto de fazer ainda, isso é balela. O problema não é só o
operacional, o problema é: que sentido isso tudo tem para você?
Você
que é analista de sistemas, você que é gerente de um banco, você que é
assistente qualquer coisa, você que é despachante, você médico que “salva
vidas” dentro de um hospital cheio de burocracia para atender (maioria dos
casos), você acha que seu trabalho faz diferença para as pessoas, de fato? Ou
você só resolve burocracias inúteis? Ficamos refém de sistemas, protocolos, que
a cada clique, diminui nossa vida e nossa paciência. Eu não costumo acreditar
em teoria da conspiração, mas se alguém me falasse que toda essa burocracia e
esses cargos ridículos que ocupamos são justamente para preencher nossa mente
com um monte de (des)informação e não perturbar o andamento do sistema, eu
acreditaria e ponto. E enfim, chegamos ao sistema. Este sistema sacana! Te faz
crer que é importante, que o que você faz não é uma merda, porque o dinheiro
que você ganha compra seu carro, aquela roupa, aquela viagem. Coisas que você
precisa por causa do próprio sistema! Assim como o dinheiro, já te passou pela
cabeça alguma vez não precisar do dinheiro, viver sem ter que consumir, no
sentido mais atual da palavra? Se você respondeu não, eu não te culpo, porque é
assim que somos doutrinados a pensar, toda hora bombardeados pela TV e
propagandas, que para suprir a insatisfação de ter um trabalho de merda,
tecnicista e burocrático, você precisa ter coisas que deseja e que o auto
afirme como bem sucedido. Eu não precisaria de um carro para ir à praia se ir à
praia de ônibus não fosse uma droga! Eu não preciso do sistema e não quero fazer
parte deste ciclo. Mas o próprio sistema se incumbe de nos mostrar (ou não) o
que acontece com aquele que não quer fazer parte do ciclo
trabalhar-consumir-trabalhar, e você passa por essa pessoa liberta, sem dogmas
e sem a pressão da sociedade todos os dias, e o ignora, como manda o protocolo
social: os mendigos. Pela lógica capitalista, eles não deram certo e servem
muito bem de exemplo para quem não quer se doutrinar. São os Sísifos que não
conseguiram enganar Perséfone. São os Sísifos que se arrependem todo dia,
porque não há um só morador de rua que não queira ter nossa vida sistemática. E
aí, no meio de toda essa inutilidade em que somos engolfados diariamente, somos
ludibriados com a ideia de felicidade. O que é essa tal de felicidade que nos
vendem, afinal? Assim como o amor, ela é subjetiva, individual e única. Não tem
essa de felicidade de propaganda de margarina, quem garante que serei feliz
naquele modelo marido-esposa-filhos? Somente cada indivíduo sabe sobre sua
própria felicidade, mas a verdade que talvez todos os seres humanos sentem em
seu coração e alguns são resistentes em assumir, é que a felicidade nunca é
plena, ela é efêmera e fugaz, como Sísifo sentia no espaço de tempo entre
deixar a peça de mármore no alto do cume e logo depois vê-la rolar para baixo.
Durante anos, eu sempre questionei a importância de se viver como num comercial de margarina. Pra quê, por quê. E o engraçado é que gosto muito de Qualy...
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