sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Sísifo do séc. XXI

Diariamente, eu me sinto como Sísifo. Condenado a repetir o mesmo ato todos os dias, e vendo a inutilidade daquele ato, que a mim não diz nada. Quantos de nós nos vemos presos a rotinas inúteis, escravos de nossas funções administrativas para resolver problemas que nós, humanos, criamos? E não venha com aquele papo de revista de que o problema é individual, de que eu não achei o que eu gosto de fazer ainda, isso é balela. O problema não é só o operacional, o problema é: que sentido isso tudo tem para você?

Você que é analista de sistemas, você que é gerente de um banco, você que é assistente qualquer coisa, você que é despachante, você médico que “salva vidas” dentro de um hospital cheio de burocracia para atender (maioria dos casos), você acha que seu trabalho faz diferença para as pessoas, de fato? Ou você só resolve burocracias inúteis? Ficamos refém de sistemas, protocolos, que a cada clique, diminui nossa vida e nossa paciência. Eu não costumo acreditar em teoria da conspiração, mas se alguém me falasse que toda essa burocracia e esses cargos ridículos que ocupamos são justamente para preencher nossa mente com um monte de (des)informação e não perturbar o andamento do sistema, eu acreditaria e ponto. E enfim, chegamos ao sistema. Este sistema sacana! Te faz crer que é importante, que o que você faz não é uma merda, porque o dinheiro que você ganha compra seu carro, aquela roupa, aquela viagem. Coisas que você precisa por causa do próprio sistema! Assim como o dinheiro, já te passou pela cabeça alguma vez não precisar do dinheiro, viver sem ter que consumir, no sentido mais atual da palavra? Se você respondeu não, eu não te culpo, porque é assim que somos doutrinados a pensar, toda hora bombardeados pela TV e propagandas, que para suprir a insatisfação de ter um trabalho de merda, tecnicista e burocrático, você precisa ter coisas que deseja e que o auto afirme como bem sucedido. Eu não precisaria de um carro para ir à praia se ir à praia de ônibus não fosse uma droga! Eu não preciso do sistema e não quero fazer parte deste ciclo. Mas o próprio sistema se incumbe de nos mostrar (ou não) o que acontece com aquele que não quer fazer parte do ciclo trabalhar-consumir-trabalhar, e você passa por essa pessoa liberta, sem dogmas e sem a pressão da sociedade todos os dias, e o ignora, como manda o protocolo social: os mendigos. Pela lógica capitalista, eles não deram certo e servem muito bem de exemplo para quem não quer se doutrinar. São os Sísifos que não conseguiram enganar Perséfone. São os Sísifos que se arrependem todo dia, porque não há um só morador de rua que não queira ter nossa vida sistemática. E aí, no meio de toda essa inutilidade em que somos engolfados diariamente, somos ludibriados com a ideia de felicidade. O que é essa tal de felicidade que nos vendem, afinal? Assim como o amor, ela é subjetiva, individual e única. Não tem essa de felicidade de propaganda de margarina, quem garante que serei feliz naquele modelo marido-esposa-filhos? Somente cada indivíduo sabe sobre sua própria felicidade, mas a verdade que talvez todos os seres humanos sentem em seu coração e alguns são resistentes em assumir, é que a felicidade nunca é plena, ela é efêmera e fugaz, como Sísifo sentia no espaço de tempo entre deixar a peça de mármore no alto do cume e logo depois vê-la rolar para baixo.

Um comentário:

  1. Durante anos, eu sempre questionei a importância de se viver como num comercial de margarina. Pra quê, por quê. E o engraçado é que gosto muito de Qualy...

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