quarta-feira, outubro 22, 2014

O Teatro Mágico

Era uma vez uma garota meio complicada que um dia, descobriu no seu computador algumas músicas diferentes do rock n roll que estava habituada a ouvir. Eram músicas em português, de cunho crítico social, ou românticas, ou folclóricas, ou eletrônicas mas todas carregadas de algo que não existia na música brasileira há muito tempo: poesia. Aquelas músicas começaram a tomar um espaço cada vez mais amplo na rotina daquela menina, e a playlist onde se encontravam tais canções no iPod foi ficando gorda.
Era possível ouvir aquelas canções em qualquer ocasião do dia, pois elas falavam sobre todas as coisas. Se estivesse dentro do trem, havia a que falasse de um certo monstro que engolia o bem estar das pessoas. Se estivesse em casa, sozinho, havia aquela que falava sobre uma forma curiosa de comparar a sua fé ao seu café. E se estivesse no mar, tinha aquela que contava a linda estória de uma garota cujo o mar se apaixonou.
Havia ainda muitas outras, cada qual numa leva sempre de 19 canções por álbum, de um grupo de muitas pessoas que se entitulavam "trupe", e a garota gostou daquilo. Não era uma banda, não era um mero grupo, não eram só artistas, eram uma trupe. Eram originais, diferentes, únicos. Suas canções eram um marco tanto para a garota complicada que relacionava sempre a trupe a belas manhãs ensolaradas com gente feliz descendo do ônibus rumo ao trabalho, quanto para a própria música brasileira que não tinha nada assim tão cativante a pelo menos 20 anos.
Então, os anos dourados, a melhor fase da vida daquela garota foi marcada pela música cativante da trupe de rosto pintado que viera da sua cidade vizinha.
O tempo passou, como é o normal de ser. A garota cresceu, virou então uma mulher ainda mais complicada e nem mesmo a música era capaz de ajudá-la novamente. Mas mesmo que fosse capaz, a tal trupe que fazia parte da sua história, já não era a mesma. Não se parecia mais com uma trupe. Embora o número de fãs tenha aumentado mais do que ela mesma esperava (e desejasse pois tinha até ciúmes da trupe), a trupe agora era apenas uma banda. Suas canções não tinham estórias. Suas perfomances de palco não tinham mais brilho. Suas vozes eram por demais ensaiadas. Suas letras pareciam compradas em qualquer folhetim. Era o fim de uma trupe e o início de (mais) uma banda.
Era a invalidação de todo um período da vida daquela garota. Era a anulação de um estado de bem, como se tudo tivesse sido uma farsa.
Via filas de fãs para o show da trupe-banda, mas sabia que nenhum deles ali sentia em seu estômago o queimar adocicado da ansiedade por algo que amava.
É, talvez a garota amasse a trupe. Mas agora já não mais. Em seu peito havia a marca de uma chama que queimava "só enquanto eu respirar" ela repetia com os olhos carregados de lagrimas. Em sua mente, nas suas memórias, havia um epitáfio curto e sombrio escrito "aqui jaz O Teatro Mágico, uma trupe que já foi".

Um comentário:

  1. É o preço de se entrar pro mundo real da música.
    Por um mundo com mais trupe e menos tropa.

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