segunda-feira, abril 11, 2016

O impronunciável

“Denis anda tão preocupado. Denis, todos cometem pecados.”

Eu nunca quis ser a Inês do Denis, mas acabei sendo.
E por um tempo foi bem divertido.
Numa noite éramos pichadores, e com alguns sprays desenhamos pênis voadores em todo o viaduto Jaceguai. Outro dia, éramos escaladores, e escalamos a estação de metrô do Brás. Sempre sorrindo, a mão de Denis estava sempre estendida para mim.
Ele era ridículo e não tinha vergonha nenhuma de ser. E eu embarquei na onda do ridículo com ele. Gostávamos daquilo, era uma liberdade gratuita que eu jamais experimentara. E então, Denis se apaixonou por mim, e eu me deixei levar por aquilo, curtindo cada risada do lado dele, descobrindo cada parte do corpo dele e interpretando qualquer porcaria que ele falava só para me fazer rir. Me deixei moldar pelo o que ele quisesse fazer de mim, e ele parecia até mais bonito quando a luz da aurora batia na minha janela iluminando parcialmente o quarto.

Ele sabia que ainda havia um animal semimorto habitando meus sentimentos, exalando o cheiro amargo da rejeição de outro. E isso acabava com ele.
Muitas eram as vezes que nos encontrávamos e eu não queria fazer mais nada, a não ser fumar e ouvir algumas músicas do Lulu Santos. E ele ficava me olhando, até que um dia ele perguntou qual era o nome do indivíduo que me deixou assim de coração tão partido. Olhando diretamente para os olhos dele, soletrei cada letra do nome do melhor amigo dele.

 Ele sabia de tudo, ele era da nossa panela de amigos, ele acompanhou minha história do coração partido inteira dos bastidores. E ele sabia que eu não podia gostar de ninguém porque amava o outro lá, o que me trocou pela Alice. O impronunciável. Que era o melhor amigo dele, e o responsável por ter nos unido numa brincadeira sem graça de terminar o namoro comigo e me colocar frente a frente com Denis.

Mas só muito tempo depois que eu entendi porque ele me perguntou.
Porque só saber não era o suficiente. Ele queria ouvir de mim se eu ainda amava o impronunciável. E quando eu soletrei o nome dele, era o que ele precisava saber. Eu amava de um jeito tão forte e intocado, que nem todo o amor do mundo vindo de Denis era suficiente para que eu ignorasse a existência disso.

Um dia de chuva, eu estava a esperar a chuva passar para sair da faculdade e ir a casa de Denis, pois ele estava gripado. E sorrateiramente, o impronunciável apareceu, com um aroma diferente do que eu conhecia.

 Eu meio dispersa, ele começou a puxar assunto. Perguntou de Denis, perguntei de Alice. E ele me informou que terminara o namoro com Alice.

 Eu ainda queria matar os dois, especialmente ele, mas naquele momento eu só queria o sorriso dele. E ele, inteiro, como quis por muito tempo.

 Então ele começou falar que se sentiu arrependido e que tinha sido um grande erro que ele me quisesse só como amiga.

Porque ele sentia falta de mim todos os dia, falou. E que vinha ensaiando me procurar há dois dias, desde que terminou o relacionamento com Alice. Eu chorando, saí andando na chuva, sem olhar para a cara dele porque, por deus, só eu sabia como estava sendo difícil me desfazer disso tudo. Foi difícil não pensar nele até pouco tempo atrás, quem me dera ser tão resistente naquela época.

Então ele me chamou pelo nome, e veio na chuva em minha direção, eu parei, ainda chorando, ele me abraçou forte e decidido e me beijou, com a camiseta verde encharcada.
“Nunca mais faça isso comigo, se fizer de novo eu acho que morro” falei usando todo meu potencial dramático. E ele pela primeira vez disse que me amava.

Então eu parti o coração de Denis no dia seguinte. E hoje ele está casado com uma esposa linda na Argentina, feliz aguardando o nascimento do primeiro filho.




“Dênis, o destino decidiu que você não tem escolha

Nem mais uma chance pra tentar tudo outra vez"


Graforréia Xilarmônica - Dênis





***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***

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