Claro que havia algo errado. Eu vi os dois sorrindo
entre si de um jeito bem estranho.
Estava eu sentada num banco do jardim que frequentávamos fumando e vendo os
dois se aproximarem. Alice com um sorriso estranho de satisfação. Ele com o
nariz um pouco mais arrebitado cortando os ventos e como se me desafiando a
questionar porque ele estava tão feliz.
Toda vez que ele se aproximava, eu sentia aquele gosto de cerveja choca que
lembrava o beijo delicioso que ele me dava. Mas já fazia algum tempo que não
tinha mais esse beijo. Nem o sorriso com os dentes caninos levemente saltados,
nem mais nada.
Alguns dias atrás ele me deixou na porta de casa dizendo que minha amizade para
ele bastava. E eu, histérica, disse “e o meu amor por você, como que fica?”.
Estava eu completamente, terrivelmente apaixonada e não sabia o que fazer com
aquele sentimento todo rompendo-me ao meio.
Agora, vinha ele com aqueles olhares estranhos com Alice. Eu preferia a morte.
Mentira, não preferia, porque assim nem ao menos o teria de longe.
Entrei num estado de torpor quando ouvi “sábado eu e Alice vamos no cinema” dos
lábios dele, horas depois de perceber esses olhares estranhos no nosso jardim.
Eu queria gritar “mas como assim vão ao cinema? Até alguns dias atrás era meu
corpo que você passeava as mãos e foi assim nos últimos anos” mas tudo o que
consegui era responder “legal, se divirtam por mim”.
E ele continuou me contando seus planos e revelou o mais maquiavélico de todos
“você devia ir também com a gente e chamar o Denis”. Então era isso. Além de
não me querer mais, ainda queria me empurrar para o amigo de piadas sem graças
dele. E eu, que estava possessa e só queria ir pra casa chorar, mas não
conseguia nunca falar não para ele, respondi “vou sim, vou chama-lo”.
Até o dia do cinema, eu era a pessoa mais fria do mundo com ele e com qualquer
um da nossa panela de amigos. Eu era só dor e destruição, meu sarcasmo
transbordava e eu não podia me controlar. Fumando um cigarro atrás do outro,
mantendo todos os compromissos mauhumorosamente marcados com ele, seguia eu um
poço de soberba e amargura. Porque ele não me queria, porque queria Alice.
Porque ele não era mais meu.
Numa partida de Uno mal jogada, eu perdi. E como pena por ter perdido, todos me
desafiaram convidar o Denis para o cinema.
É que era humilhante sair com Denis. Porque Denis era o cara que todos da faculdade
zoavam porque nunca namorava ninguém. Porque Denis tinha quilos de espinha na
face e parecia ainda ter 16 anos, enquanto todos os outros caras da faculdade
já tinham um porte mais másculo mesmo tendo mesma idade do Denis.
Mas chamei para o cinema.
E fui.
E foi como se eu aceitasse que eu e ele havíamos acabado, e que ele e Alice
juntos estava tudo bem pra mim. Mas nunca esteve, eu queria matar todos naquele
cinema.
***esta crônica faz parte de um conjunto de crônicas que tratam dos mesmos personagens, todas identificadas com o marcador "Janeiro"***
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